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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Doença de mãe, doença de filha


Bia, na última atividade antes das férias, ainda com os 'olhinhos caídos'
Se existe uma coisa que a maternidade me ensinou é que não há nada mais desesperador que um filho doente. A sensação de impotência que me invade a cada febre, a cada tosse, a cada vez em que minha pequena não está bem, é algo indescritível.
A Bia sempre foi uma criança muito saudável. Nunca teve diarreia, nunca ficou internada, nem nunca ficou derrubada por causa de um resfriado. Até maio deste ano, quando entrou na escola.
Logo na segunda semana, pegou catapora. E depois tosse, infecção de garganta, sinusite. Passou um mês doente. Remédio nenhum dava jeito e ela continuava prostrada, desanimada, cansada. Desespero é a palavra que define meu estado de espírito nesse período.
Achei, também, que as doenças estavam sendo agravadas por uma questão psicológica. A Bia, que antes de começar na creche estava super ansiosa, fantasiando sobre colegas e professores, desde a segunda semana de aula chorava muito, desde a hora em que eu a acordava. E mesmo admitindo que brincar na escola era legal, ela afirmava a todo tempo que não gostava, que não queria ir para a aula.
Logo, o fato de não querer ir para a escola, no meu entendimento, estava deixando seu sistema imunológico ainda mais frágil e suscetível aos vírus e bactérias. Quase ninguém concordou comigo, principalmente os médicos que a atendiam toda semana, com febre e desanimada.
Segui meu coração e meus instintos e no mês de julho não a mandei para a creche. Mesmo sabendo que seria importante para sua adaptação continuar a freqüentar as aulas, considerei mais importante ainda sua completa recuperação. E ela melhorou.
Mas a falta de experiência com essa situação, de ver minha filha doente, desencadeou em mim uma situação que nunca tinha enfrentado antes: entrei em depressão. Me culpando por te-la mandado para a escola (mesmo acreditando que é positiva essa experiência), me cobrando por não ser mais presente, me perdendo no meio de uma situação que eu não podia controlar.
E percebi que a palavra DEPRESSÃO significa “o que vem da pressão”. Por que o mundo não para e espera a crise passar. Trabalho, casa, marido, continua tudo lá, esperando minhas decisões. Não foi sem apoio que consegui passar por isso. Dos meus pais, do meu marido, dos meus amigos, de pessoas que foram muito solidárias, mesmo quando eu não esperava por isso.
A Bia voltou para a escola. Já teve novos resfriados, mas dessa vez bem mais tranquilos. Já não chora para ir para a aula, e acho que isso contribuiu muito.Também estou tentando, através da homeopatia, dar um forcinha para o seu sistema de defesa.
E disso tudo, tirei duas lições: primeiro, que o que não me mata, me fortalece. Segundo, que às vezes é preciso admitir que perdemos o controle, dar vazão à frustração, à angústia, para então começar de novo.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Relato de um desmame


Aqui, a Bia com 1 ano e 8 meses, mamando, mamando, mamando...

Tem quase seis meses que a Bia desmamou. Exatamente no dia 17 de fevereiro de 2012, sábado de Carnaval, ela me falou: “mãe, eu não quero mais mamar!”. É verdade, ela já havia falado o mesmo em outras ocasiões, e em todas elas, voltou atrás.
Mas daquela vez, foi diferente. Já há muitos dias, talvez alguns meses, a amamentação vinha gradualmente diminuindo. Só de noite ou só de manhã. Não a amamentava mais de madrugada, mesmo que ela me chamasse durante a noite e eu fosse deitar na sua cama. Fizemos um acordo: “o tetê precisa dormir, descansar”, eu dizia.
Sim, por que três anos e três meses de amamentação estavam me cansando. Em alguns momentos, até me estressando. Quando chegava a nossa casa e tinha os serviços domésticos para fazer, e a Bia queria ficar mamando... quando estava dormindo, às 3 horas da manhã, depois de amamentar bastante, e mesmo assim a Bia queria ficar mamando.
Mas mesmo nos momentos de mais cansaço, eu lembrava de duas coisas: amamentar até tarde foi minha opção. E quando ela parasse de mamar, seria para sempre. E o para sempre chegou. Naquele sábado de manhã, quando ela me disse: “mãe, eu não quero mais mamar!”.
Depois de uns cinco ou seis dias, a Bia disse que queria o ‘mamá’. Mas eu não dei. Disse que havia acabado, que o tetê estava estragado. Achei que era a hora de ajudar a força de vontade dela. A Bia passou, então, a dormir com freqüência na casa da avó paterna. Muitas vezes, não queria voltar para casa. Eu me senti uma ‘marmita vazia’. O desmame não foi fácil nem para ela, nem para mim.
Passamos algum tempo com ela pedindo e eu negando. Até que ela parou de pedir. Hoje, não sei se ela se lembra de quando ainda mamava. Ás vezes ela fala: “Lembra, mãe, quando eu mamava no seu peito? Agora eu já cresci”, ela diz.
Confesso que sinto muita falta da amamentação. De deitar com ela e dar o peito até ela dormir. De viver esse momento que era só nosso, que ninguém podia substituir.
Ainda hoje, em 90% das noites ela só dorme se deitarmos juntas. Ela não quer mais dormir na avó ou em nenhum outro lugar em que o pai e eu não estejamos.
A nossa ligação forte, o nosso laço estreito, que muitos falavam que iria diminuir com o fim da amamentação, continua cada vez maior. Me orgulho muito de ter amamentado o quanto foi possível, de ter feito o que eu sempre disse que iria fazer: dar de mamar até quando minha filha quisesse.
E esses dias, deitadas para dormir, depois de rezarmos para o Anjo da Guarda, ela falou: “Obrigada, Deus, por ter uma mãe tão boa, que cuida de mim com carinho”. Chorando, claro, eu agradeci a Deus por ter uma filha tão especial, esperta e inteligente, que me faz querer ser, a cada dia, uma pessoa melhor. 
Bia com 3 anos e 2 meses, um pouco antes de parar de mamar

Você conhece os coletores menstruais?


Partos em casa somam 0,13% dos nascimentos

Matéria minha publicada no Diário Regional em 09/07/2012

O tema ‘parto domiciliar’ tomou conta de diversas mídias, após o programa Fantástico, da TV Globo, ter exibido um vídeo que está fazendo sucesso na internet. A gravação mostra um casal de Campinas que escolheu a própria casa para a chegada do primeiro filho. No ABC, de acordo com dados do Datasus, apenas 0,13% dos nascimentos ocorridos em 2010 foram domiciliares – 49 em um total de 36.156.

Por outro lado, nos dados não é possível concluir em quais casos isso foi planejado. “Infelizmente, ainda existe muito erro na Declaração de Nascido Vivo. Então, se a mulher deu à luz em uma ambulância, a caminho do hospital, no supermercado ou mesmo no local de trabalho, muitas vezes essa informação consta como nascimento domiciliar”, esclareceu Deborah Delage, doutoranda em Saúde Pública no Departamento Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e uma das coordenadoras do Maternamente, grupo de apoio às gestantes e à maternidade ativa no ABC.

Segundo as parturientes, a falta de respeito às suas vontades quanto ao momento do nascimento é um dos principais fatores que as motivam a escolher o lar para trazer o filho ao mundo.

“Existe um grupo grande de pessoas, inconformado com o péssimo atendimento dado às gestantes, com os altos índices de cesáreas e com a falta de respeito às escolhas das mulheres, que se articula há dez anos para defender a causa”, explicou Deborah, que participou da Marcha pelo Parto em Casa na Capital paulista, no mês passado.

O movimento, que aconteceu simultaneamente em mais de 20 cidades brasileiras, foi uma resposta ao Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, que pediu ao órgão de São Paulo punição para o médico paulista Jorge Kuhn, que apareceu na televisão defendendo o parto domiciliar para gestantes de baixo risco.

A coordenadora do Maternamente afirma que esse é o momento de aproveitar o ‘barulho’ para aumentar as discussões sobre o tema. “Fechamos 2011 com 52% de nascimentos via cesarianas. O que as escolas de medicina ensinam como atendimento humanizado é não deixar a mulher sentir dor em nenhum momento, mas isso não é humanizar. Humanizar é respeitar as escolhas da mulher”, finalizou.

Mulheres defendem experiência




Carol amamenta Elis, que nasceu em casa, em São Bernardo (foto: Adonis Guerra)

A jornalista Carol Valente passou pela experiência de dar a luz em casa há pouco mais de um ano. O nascimento de sua filha, inicialmente programado para acontecer em um Centro de Parto Normal mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Zona Leste da Capital, ocorreu em sua residência. “Combinei com uma obstetra, que conheci nas reuniões do Maternamente, que ficaria comigo até a hora de ir para o Centro, mas o trabalho de parto foi mais rápido do que esperávamos e a Elis nasceu em casa mesmo. Apesar de não ter sido como planejado, hoje entendo como a melhor opção”, afirmou a moradora de São Bernardo, reforçando que caso tenha mais um filho também optará pelo nascimento em domicílio.

Outra moradora de São Bernardo, a fonoaudióloga Aline Gerbelli aderiu a ideia na segunda gestação. “Meu primeiro filho nasceu no hospital, e apesar de ter sido um parto vaginal, fui submetida a várias intervenções, mesmo contra a minha vontade. Tomei anestesia, soro com hormônio, e nada disso estava nos meus planos. Sem falar no atendimento muito impessoal que recebi”, reclamou.

Aline contratou uma enfermeira obstetra, que foi o único profissional a assistir seu parto. “Foi completamente diferente. O respeito com que fui tratada, poder esperar a hora do nascimento sem nada para apressar. As dores foram muito menores, mesmo sem nenhum método farmacológico para controle. Fora o fato de estar perto do meu marido, do meu filho mais velho”, explicou.

“Durante o pré-natal, comentei com o médico da UBS (Unidade Básica de Saúde) que meu marido e eu havíamos optado pela Casa de Parto. Ouvi do médico que não precisava disso, que o local não contava com  UTI (Unidade de Tratamento Intensivo)”, relatou Carol. “Meu sentimento foi de raiva. Não estava doente, minha filha não estava doente, não precisávamos de uma UTI”, completou.  O Grupo Maternamente conta com um blog e o endereço é maternamente.blogspot.com.

O que você precisa saber sobre o assunto

O parto domiciliar é indicado para toda mulher que desejar passar por essa experiência, desde que sua gestação seja de baixo risco. “Qualquer gestante que não tenha tido durante a gravidez intercorrências que apontem para a necessidade de assistência hospitalar, de um ambiente hospitalar na hora do parto. Como intercorrências podemos citar pressão alta com conseqüente perda de proteína (identificada por exames) que podem resultar em um quadro de eclampsia ou pré-eclâmpsia; bebês muito grandes (com mais de cinco quilos) ou diabete fora de controle”, explicou Deborah Delage, doutoranda em Saúde Pública no Departamento Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e uma das coordenadoras do Maternamente, grupo de apoio às gestantes e à maternidade ativa no ABC.

Os custos são variáveis, dependendo da equipe que vai assistir ao parto. “Aqui no ABC não temos médicos da região que assistam partos domiciliares. O que a gente sabe, pelo que ouvimos as mães contarem, é que em um hospital privado uma equipe para o parto pode custar entre R$ 10 e R$ 12 mil. Para um atendimento domiciliar, já ouvi falar em R$2, em R$ 4 mil. Porém, a questão financeira não pode ser um dos motivos principais. É importante frisar que quando falamos em parto domiciliar não se trata de um evento desassistido”, destacou a coordenadora.

Segundo Deborah, existem diversas pesquisas e estudos, baseados em evidências científicas, de que não existem riscos aumentados para o parto domiciliar, sendo os mesmos possíveis para um parto normal em ambiente hospitalar.  Quanto aos benefícios, são citados pelas mulheres que passaram por essa experiência a segurança de estar em um ambiente conhecido; o respeito às suas vontades por parte dos profissionais contratados e a tranquilidade de esperar as coisas acontecerem no tempo natural, sem pressa.

“Não podemos generalizar, mas o que vejo é que os médicos têm muita dificuldade em olhar o parto baseado em evidências científicas e adotar procedimentos que tiram o poder e o controle do sistema sobre o corpo da mulher”, afirmou Aline Gerbelli, fonoaudióloga e moradora de São Bernardo, que em 2009 deu à luz ao filho Pedro em sua casa, assistida por uma enfermeira obstetra.

Lei garante companhia na hora do parto

Matéria minha publicada no Diário Regional em 11/11/2011.

 Junior acompanhou Mayara durante o nascimento dos filhos gêmeos (Foto: Adonis Guerra)

O momento é único e inesquecível. A mulher, prestes a dar à luz, está ao mesmo tempo no ápice da fragilidade e da força. Lei de 2005, que dá às gestantes o direito de escolher uma pessoa para acompanhar todo o processo, pode garantir um trabalho de parto mais calmo e tranquilo.

A opinião é de especialistas da área, como o professor de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC e coordenador do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher de São Bernardo, Rodolfo Strufaldi.

“Faz parte do processo de humanização do atendimento à gestante e ao bebê permitir que a mulher esteja acompanhada por uma pessoa próxima, a mãe, a irmã ou o pai da criança”, afirmou.

Apesar de ser lei, algumas maternidades ainda não têm condições de manter acompanhantes nos períodos de pré e pós-parto ou mesmo durante o procedimento. “Algumas unidades não cumprem por questão de espaço. Porém, na rede pública, a grande maioria consegue seguir a determinação no momento do nascimento e depois do parto”, explicou o médico, ao completar que a medida melhora a confiança da paciente e também a condução de todo o trabalho de parto.

Amparo e segurança - Para o obstetra Alberto Jorge de Sousa Guimarães, permitir a presença de um familiar escolhido pela parturiente é também oferecer maior segurança nesse momento tão sublime e desafiador.

“Podemos relembrar que o parto era um evento natural na vida da mulher, assistido em ambiente domiciliar, com o marido por perto e geralmente uma parteira ou pessoa mais idosa, como  a mãe ou avó, dando suporte”,  destacou o médico, que nasceu amparado por uma parteira.

O casal Digmar de Barros Junior e Mayara Araújo Gastão, que tiveram bebê e foram acompanhados pela reportagem do Diário Regional, atestam o que dizem os médicos.
“É muito importante estarmos juntos nesse momento. Com certeza, minha esposa ficou muito mais tranquila”, afirmou o pai, ainda na sala de cirurgia do Hospital Universitário de São Bernardo, na hora do nascimento dos gêmeos. “É um momento de muita emoção”, disse Barros Junior com lágrimas nos olhos e um largo sorriso no rosto.

A dona de casa Bernadete Oliveira da Costa acompanhava a neta Bruna Oliveira da Costa, que aguardava o nascimento do primogênito. “Quando meus filhos nasceram sempre tive alguém ao meu lado. Acho que dá mais segurança”, declarou.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Amamentação prolongada: essa foi a minha escolha

Desde o dia em que me descobri grávida, tive duas certezas: queria que meu filho nascesse da forma mais natural e amamentar o quanto fosse possível. O primeiro objetivo foi alcançado, não sem esforço e alguma briga. O segundo começava a se realizar imediatamente após o primeiro.

Não sei se tive sorte, ou se o fato de querer muito uma coisa colaborou para que acontecesse, mas o fato é que não tive grandes problemas para amamentar. Doeu um pouco, os bicos dos seios tiveram algumas rachaduras, mas tudo foi superado.

Nunca achei que meu leite fosse fraco. Muito pelo contrário. A Bia engordava, crescia e se desenvolvia a olhos vistos. Aos quatro meses, mal podíamos ver seu pescoço, de tão rechonchuda.

Manter a amamentação exclusiva até o sexto mês foi um dos primeiros desafios, tamanho o número de pessoas que me diziam: “Dá uma água para essa menina! Com esse calor, ela deve estar com sede. Deve ficar com fome, só mamando”. Pura bobagem! Suas três horas de sono eram sagradas entre as mamadas, chegando a dormir seis, sete horas de madrugada. Meu seio a saciava.

Completamos 1 ano, 1 ano e meio, 2 anos de amamentação. Poucas pessoas me elogiam por isso, a maioria me critica. Para mim é indiferente, não a amamento para que outros me elogiem. Amamento até hoje por que essa foi a minha escolha.

Com 2 anos e quase dez meses, a Bia esbanja saúde. Nunca teve diarreia, nunca ficou internada, não tem nenhum problema respiratório nem alergias. E quem a conhece sabe que é uma criança extrovertida, segura e sociável, a despeito do que falam sobre crianças que mamam até tarde.

Como a amamentação prolongada foi uma escolha minha, não passa pela minha cabeça recorrer a métodos drásticos para que ela desmame (como uma vez me sugeriu um ginecologista: “Passa buscopan no bico do seio” – e eu até hoje não me lembro de ter reclamado de amamentação para ele).

Mas já há algum tempo venho conversando com ela, explicando que ela já está mocinha, que daqui a pouco o tetê vai acabar. Sim, por que amamentar cansa. E isso não é uma reclamação, é a constatação de um fato. Não posso passar a noite longe da Bia, por que quase sempre ela mama de madrugada. Mas encaro tudo isso da seguinte forma: quando ela parar de mamar, será para o resto da vida.

Eis então que a Bia quis dormir na casa da avó paterna. Ficou aquele receio, de que ela fosse chorar de madrugada, mas partiu dela, não seria eu a boicotar tamanha demonstração de independência. E ela dormiu. Dormiu a noite toda. Segundo a minha sogra, ela chamou por mim, mas não pediu para mamar. Quem não dormiu fui eu. Coisas de mãe.

Depois disso, percebi que ela estava mamando menos de madrugada. E no último sábado, minha filha quis de novo passar a noite na vovó. Ela havia passado o dia todo sem mamar, dormiu na avó e só mamou no domingo, depois das quatro da tarde.
Vejo isso como um caminho que ela mesma está traçando. Largando o mamá aos poucos. Como eu sempre quis, a iniciativa está partindo dela.

Essa situação me enche de orgulho. Dela e das minhas escolhas. Amamentar, para mim, sempre foi um gesto de amor. Respeitar o tempo e a vontade da minha filha é continuar coerente com esse pensamento. Amar e respeitar os limites da minha cria: essa foi a minha escolha.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Nascidos de cesariana têm maior risco de obesidade

Da Agência USP de Notícias - Rosemeire Soares Talamone, do Serviço de Comunicação Social do Campus de Ribeirão Preto - imprensa.rp@usp.br
Pesquisa com 2.057 pessoas de 23 a 25 anos de idade, nascidas na cidade de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), aponta que as chances dos que nascem de parto cesariana ficarem obesos na fase adulta são 58% maiores do que quem nasce de parto normal. Segundo a autora do estudo, Helena Ayako Sueno Goldani, a possível causa desse índice é a alteração no desenvolvimento ou na composição da microbiota intestinal que é diferente nas crianças que nascem de parto vaginal com relação as crianças que nascem de cesariana. O estudo foi coordenado pelo professor Marco Antonio Barbieri, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
Helena explica que, no parto cesariana não acontece o contato do bebê com a flora vaginal materna. Este contato, diz a pesquisadora, parece ser importante para o desenvolvimento da flora intestinal do recém-nascido. A pesquisa levantou a hipótese de que algumas bactérias presentes no canal do parto teriam efeito benéfico por meio de uma estimulação balanceada do sistema imunológico do recém-nascido. “Com isso a criança tem afetado o seu metabolismo de acolhimento e de armazenamento de energia e, consequentemente, podem ter um impacto sobre o desenvolvimento da obesidade”, revela. Os resultados do trabalho acabam de ser publicados na revista científica The American Journal of Clinical Nutrition Editorial Office.
Helena utilizou dados de um grupo de pessoas, nascidas entre junho de 1978 e maio de 1979, que fizeram parte do projeto de pesquisa de estudo de coortes (estudo de um grupo de pessoas seguidas de um período determinado tempo), com coordenação geral do professor Barbieri. No total a coorte tinha 6.973 recém-nascidos, cujas mães residiam na cidade naquele momento. No momento do parto foram coletados dados das mães e dos filhos, incluindo histórico médico e antropométrico. Desses 343 morreram antes de completar 20 anos.
Entre abril de 2002 e maio de 2004, ou seja, entre 23 e 25 anos de idade, 2.103 componentes do grupo foram selecionados e convidados para uma nova avaliação, onde foram coletados dados sobre estilo de vida, inclusive a prática de exercício físico, além de responderem questionário socioeconômico, novo exame físico e avaliação antropométrica. Helena utilizou dados de 2.057 dessas pessoas.
A pesquisadora justifica a importância de se pesquisar essa relação, pois outros estudos já revelaram que alterações na microbiota intestinal podem estar ligadas a algumas condições inflamatórias crônicas comuns no mundo ocidental, entre eles a obesidade, alergias, doença de Crohn e até a diabetes tipo 1. “Alguns estudos já mostraram que a presença de bactérias intestinais durante os três primeiros dias de vida foram influenciadas pelo tipo de parto. Por meio de biologia molecular de amostras fecais de crianças nascidas por cesárea ficou evidente uma ausência substancial de bifidobactérias e isso pode ter um impacto significativo sobre as funções imunológicas do bebê”.
Perfil
A média da idade das pessoas analisadas no estudo de Helena foi de 23,9 anos e o peso médio era de 69,7 kg. A taxa de cesariana do grupo foi de 31,9%, realizado principalmente em grupos de melhor nível socioeconômico. No grupo das mães com maior escolaridade a taxa de cesariana chegou a 45,1%. Naquelas com menor escolaridade a taxa de cesariana era de 26,8%. A taxa de prevalência de obesidade nesses adultos jovens nascidos por cesariana foi de 15,2 contra 10,4% nos nascidos por parto vaginal. A pesquisa revelou ainda que a taxa de obesidade foi maior entre os menos privilegiados economicamente. “Não houve diferença nas taxas de prevalência de obesidade de acordo com o peso ao nascer, tabagismo materno durante a gravidez e atividade física do sujeito, sexo e tabagismo”, aponta a pesquisadora.
O orientador do trabalho explica que no total a taxa de obesidade entre esse grupo foi de 46% maior entre os nascidos por cesárea em relação aos nascidos de parto vaginal na análise não ajustada, ou seja, sem levar em conta outros fatores, como peso ao nascer, renda, tabagismo, escolaridade, atividade física e fatores maternos como escolaridade e tabagismo durante a gravidez. “Quando ajustada esse risco subiu para 58%”. Uma curiosidade encontrada nessa pesquisa e que vai ao encontro do que diz a literatura atual, segundo os pesquisadores, foi que não houve relação entre tabagismo materno e alteração no IMC.
Helena lembra que aumento das taxas de cesariana ocorreu em paralelo com o aumento das taxas de obesidade. Na Inglaterra, Suécia e Estados Unidos, por exemplo, passaram de 6%, 8% e 10%, em 1975 para 21%, 16% e 24%, em 2001, respectivamente. Em Ribeirão Preto, onde o estudo foi realizado, a taxa de cesariana aumentou de 30% em 1978 para 51% em 1994, e estava em 44% em 2007. Já a taxa de prevalência de obesidade no Brasil aumentou de 4% em 1974 para 11% em 2006.
“Uma vez que a colonização intestinal pode ter um efeito duradouro na saúde em geral e, ainda, considerando a diferença na flora intestinal e vaginal entre bebês nascidos de cesariana, concluímos que o aumento das taxas de cesariana podem desempenhar um papel fundamental na epidemia de obesidade no mundo”, conclui a pesquisadora.  Também participaram do trabalho os pesquisadores Heloisa Bettiol, Antonio Silva, Marilyn Agranonik, Mauro Moraes e Marcelo Goldani. O professor Marco Antonio Barbieri realiza estudos epidemiológicos de saúde perinatal desde 1978.