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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Parto do princípio

Nunca tive o sonho de ser mãe. Naqueles cadernos de perguntas que todos respondemos nos anos 90, na página da pergunta: Qual é o seu maior sonho? a minha resposta sempre foi: Ser aeromoça.

Não sei como, nem quando, perdi a vontade de ser aeromoça... acho que por que ao invés de ficar alta e magra eu fui ficando baixa e rechonchuda....rsrs...

O fato é que a maternidade nunca esteve nos meus sonhos. Muito pelo contrário. Se me perguntassem, por volta dos 20 anos, se eu queria ser mãe, minha resposta era: Nunca! Com o mundo deste jeito, é uma irresponsabilidade colocar um filho no mundo.

Até que, aos 25 anos, como diria Socorro Costa, uma alma linda que eu conheci na lista Parto Nosso, "o útero começou a coçar". Em todas as minhas conversas, o assunto era recorrente: "Eu me sinto pronta pra ser mãe". O único detalhe era que eu havia acabado de terminar um namoro de quatro anos, portanto, não havia um candidato à pai nas proximidades...rsrs...

Em dezembro de 2007 eu reencontrei o Ale. O grande amor da minha vida. Não nos víamos há mais de quatro anos. Nem havíamos nos falado em todo esse tempo. O magnetismo foi inevitável.

Em fevereiro de 2008 eu engravidei. Apesar de ser uma coisa desejada, não houve o mínimo de planejamento. Alegria, medo, insegurança, felicidade, amor, muito, muito amor.... tudo se misturava, em doses intensas e nada homeopáticas.

Passado o susto inicial, eu vesti a camisa da grávida. Pesquisei, li, descobri, aprendi.... tudo o quanto foi possível. E o que se descortinava à minha frente não era muito animador.

De um lado, os convênios que realizam cesáreas como uma produção em série. De outro, o atendimento público com suas raspagens (tricotomia), soro com medicação (ocitocina), corte no períneo (episiotomia), e as famosas enfermeiras que, segundo sempre ouvi falar, te dizem a cada gemido: na hora de fazer você gostou, né? (abro um parentêses pra dizer que acho o trabalho das enfermeiras, especialmente as da área de obstetrícia, incrível! Apenas quis registrar uma coisa que eu sempre ouvi, e que no momento em que eu me descobri grávida, aterrorizava os meus pensamentos)

Bom, nas minhas pesquisas, também descobri coisas incríveis. O lado lindo no nascimento. O nascimento humanizado. Conforme está escrito no site Amigas do Parto, o Ministério da Saúde entende por parto humanizado "o direito que toda gestante tem de passar por pelo menos 6 consultas de pré-natal e ter sua vaga garantida em um hospital na hora do parto. Para um grupo de médicos, significa permitir que o bebê fique sobre a barriga da mãe por alguns minutos após o parto, antes de ser levado para o berçário. Em alguns hospitais públicos significa salas de partos individuais, a presença de um acompanhante, alojamento conjunto, incentivo à amamentação, entre outros benefícios."

O que eu descobri durante as minhas pesquisas vai muito além disso. Mais do que o local, a mulher tem o direito de ser dona do seu corpo e da situação. A mulher tem o direito de ter direitos. O tradicional mãezinha, que eu pretendo tratar em outro post, relega à mulher uma condição onde ela é igual a todas as outras mãezinhas do mundo. Ora, a mulher não é igual nem à ela mesma, todos os dias. Eu me sinto uma em cada dia, dependendo de várias circunstâncias, internas e externas!

Voltando: o site Amigas do Parto continua explicando: "no mundo inteiro, no entanto, o que está se discutindo é: 'o atendimento centrado na mulher'. Isso deveria ser o correto significado de parto humanizado. Se a mulher vai escolher dar à luz de cócoras ou na água, quanto tempo ela vai querer ficar com o bebê no colo após seu nascimento, quem vai estar em sua companhia, se ela vai querer se alimentar e beber líquidos, todas essas decisões deverão ser tomadas por ela, protagonista de seu próprio parto e dona de seu corpo. São as decisões informadas e baseadas em evidências científicas."

Ter conhecimento sobre tudo isso mudou minhas decisões drásticamente. Nascia em mim, a uma velocidade impressionante, um grande desejo de vivenciar tudo isso. De ter escolhas, de dar ao meu filho um nascimento digno, de tomar a primeira grande e acertada decisão nas nossas vidas.

Preciso contar aqui que, em 2001, eu me submeti a uma cirurgia uterina. Retirei um mioma, o que me deixou com uma pequena cicatriz, no útero e no abdômen, que lembra muito uma cesárea. Então, na primeira consulta com o médico que iria acompanhar o meu pré-natal, eu perguntei se isso seria impeditivo para um parto normal. Ele disse que sim. Que havia o risco de ruptura uterina, e que o mais seguro era uma cesárea.

Como eu já havia pesquisado na internet, conversado na lista Parto Nosso sobre esse assunto, e estava convencida que sim, eu poderia ter um parto normal, simplesmente saí do consultório e nunca mais voltei.

Liguei para o médico que havia feito a minha cirurgia, e ele confirmou o que disse o outro médico. Que o mais seguro era a cesárea. Fui então em outra médica, que havia sido recomendada por parentes do meu marido como uma médica 'super à favor do parto normal'.

A médica 'super à favor do parto normal', após ouvir tudo o que eu disse sobre partos, pesquisas, miomectomia, desejo de um parto normal, etc, me disse: "Parto humanizado é muito bonito, é muito romântico... mas depois de seis ou sete horas de trabalho de parto, VOCÊ VAI IMPLORAR POR UMA CESÁREA".

Aquilo me soou tão ofensivo, tão covarde, que eu não tive reação. Minhas forças serviram apenas para segurar o meu choro. Ela não me conhecia. Ela nunca tinha me visto antes. Como ela pode dizer o que eu vou querer ou o que eu não vou querer? Que conhecimentos ela tem pra dizer como eu lido com a minha dor?

Acho que essa é a primeira grande manipulação que as grávidas sofrem: o medo da dor. Todos falam da dor, por que o modelo de parto que a maioria das pessoas conhecem está centrado na dor. Ou então, sem dor alguma, pelo menos durante o parto, que é o que a cesárea proporciona.

Eu garanto, pra quem quiser, que a dor do parto não é como dizem. Não é a maior dor do mundo. Nem é uma dor insuportável. Que dói, dói, isso é fato. Mas a grande diferença, o pulo do gato, é que não é só dor. Se a mulher está à vontade, se ela está cercada por pessoas que ela confia, se ela está consciente do que acontece no seu corpo, ela não se foca na dor. Ela conhece o processo. Ela sabe que a ocitocina que o corpo dela produz está agindo nas contrações. Ela sabe que a dor desencadeia um processo de hormônios que vão atuar até na produção de leite.

O problema é que a grande maioria não sabe. Não sabe por que não pergunta, não investiga, e não sabe por que a informação muitas vezes é sonegada por quem a detém.

Bom, voltando ao caso da médica 'super à favor de parto normal'. Ela disse que eu não deveria temer, que a cesárea hoje em dia não é como era vinte anos atrás, que ia ser super tranquilo, e que eu deveria fazer a cirurgia (sim, por que cesárea é uma cirurgia de grande porte) com 38 semanas de gravidez, não poderia nem entrar em trabalho de parto.

Foram muito poucas as pessoas que entenderam a minha tristeza. O meu choro. A minha sensação de impotência. Todos diziam: o importante é que o seu filho vai nascer.

O que me doía era ter lido tantos artigos, de tantos profissionais, que afirmavam que o risco de ruptura uterina, para o meu caso, era o mesmo que uma mulher que houvesse feito uma cesárea. Se o próprio Ministério da Saúde diz que após dois anos de uma cesárea, a mulher pode passar por um parto normal, por que eu, que havia operado há quase 8 anos, não poderia?

Passei a ler mais e mais, pesquisar mais e mais, e novamente, a lista do Parto Nosso, me deu a luz que eu precisava. O Dr Ricardo, ativista do parto humanizado que reside no Rio Grande do Sul me disse: "você pode sim ter o seu parto. Mas você tem que querer. De verdade. Por que o que os médicos vão te dizer não é que você tem 95% de chances de um parto bem sucedido, mas 5% de chance de ruptura uterina. E no caso de um parto hospitalar, encontrar um médico que também acredite nisso".

Eu encontrei. Depois de muita procura, por que eu precisava de um médico que atendesse ao meu convênio. Eu vivi o meu parto natural. Sem soro, sem anestesia, sem corte, sem medicamentos... Eu vivi.

Mas eu vivi por que eu busquei, eu acreditei, eu não me conformei. Pode ter sido um pouco de sorte? Pode sim. Mas pra ser bem, bem brega, tem uma música que diz: "pois toda sorte tem quem acredita nela".

Eu acreditei. E acredito. E falo aos quatro ventos: eu pari, todas podem parir, parir é tudo de bom, parir é preciso.

Espero que não tenha ficado tudo muito perdido no texto... são muitas ideias para discutir.

Em tempo: sugiro um texto do blog da Gisele Bündchen (ela sim, e não a Amélia, é que é mulher de verdade...rsrs...). A Jéssica postou no twitter que leu e adorou, eu li e adorei, e sugiro que todos leiam. Fala sobre o nascimento sem violência, que é a essência do parto humanizado. Sem violência com a mãe, sem violência com o bebê... lindo de viver.

Nota explicativa: depois de ler o post fiquei com receios que alguém lesse e achasse que eu sou simplesmente uma pessoa teimosa, que quero por que quero e não penso nas consequências. E não é isso. Ou pelo menos não foi esse o caso. Eu queria que algum médico me explicasse, com evidências científicas, que para o meu caso, o parto natural era um risco. Pro meu bebê, pra mim. E não pra ele. Eu não queria fazer o que fosse mais seguro para o médico, o que o médico controlasse com mais facilidade. Eu queria o que fosse melhor pro meu filho, e pra mim também.

4 comentários:

  1. Perfeito texto!! E como me identifiquei!! Nunca quis ser mãe, sempre achei uma droga, nunca pensei nisso.... mas o útero também começou a coçar... e tá coçaaaaaaaaando!!! rss... Um beijo e parabéns pelo blog!!!!!

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  2. rsrs... obrigada, Re! Olha, vira uma coisa incontrolável... não resista! bjs, :)

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  3. Texto maravilhoso!!
    Me identifiquei em várias partes, e vc sabe muito bem isso...
    Mas no meu caso hj percebo q faltou mais um pouquinho d vontade (meu parto foi induzido)
    :(
    Mas d resto... PERFEITO!!

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  4. Je, acho que muitas coisas no parto a gente só vai digerindo e identificando depois de um tempo... o médico estourou a minha bolsa quando eu estava com 8 de dilatação... na hora, eu não questionei, mas depois, eu pensei que isso foi totalmente desnecessário. Um procedimento invasivo que poderia ter estragado todo o tp, que ia muito bem, obrigada. Eu já tinha aguentado 8, o que seriam mais 2? Mas eu sou testemunha da sua busca, vc é guerreira, menina!

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