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segunda-feira, 7 de abril de 2014

25% das mulheres sofrem violência em maternidades brasileiras

Foto integrante do projeto 1em4 de Carla Raiter


A violência obstétrica é um termo relativamente novo, mas sua prática, tão antiga quanto se possa imaginar. É aquela enfermeira que diz para a mulher que está com contrações: “na hora de fazer não chorou, por que está chorando agora?” Ou aquele anestesista que briga com a gestante, que não ‘para quieta’, para que aplique a anestesia.Ou aquele outro profissional de saúde, médico ou enfermeiro, que sobe sobre a barriga da mulher, para acelerar o processo de saída do bebê. Esses relatos foram feitos por moradoras do ABC e são a realidade de muitas outras, Brasil a fora.

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2010, identificou que 25% sofreram algum tipo de violência durante atendimento em maternidades públicas e privadas, como exames feitos de forma dolorosa, falta de informação sobre os procedimentos que seriam realizados, gritos, xingamentos e até agressões físicas. Outros tipos mais sutis de violência, mas que também estão presentes na realidade das gestantes brasileiras, são as cesáreas indesejadas (normalmente indicadas apenas por conveniência médica) e longos períodos de afastamento dos bebês após o nascimento.

A professora Claudia Martinez da Conceição, moradora de Santo André, relata que começou a sentir contrações no dia em que completou 36 semanas de gestação. “Fui para o hospital com meu marido e depois de passar por um exame de toque (exame que avalia a dilatação) sem ao menos ter sido avisada, aguardei por mais de uma hora para conseguir realizar um cardiotoco (avaliação dos batimentos do coração do bebê)”, afirmou.
Cesariana
Claudia conta que após aguardar algumas horas, foi informada que seria submetida a uma cesariana, mas não disseram por quais motivos. “Me transportaram para o centro cirúrgico, uma sensação horrível, deitada naquela maca gelada, com medo, assustada. Para dizer a verdade apavorada”, afirmou.
Os efeitos da violência que as mulheres passam, seja por maus tratos, seja por terem sido submetidas uma cesárea indesejada, foram objeto de estudo da psicóloga Heloisa Salgado, que apresentou no Programa de Póss-graduação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) a dissertação A experiência da cesárea indesejada: perspectivas das mulheres sobre decisões e suas implicações no parto e nascimento.
“Recebi relatos profundos e impressionantes de mulheres que compartilharam comigo essa sua experiência e que encontraram um espaço para dividir suas vivências e, principalmente, elaborá-las”, afirmou. “Várias mulheres con­sideraram que essa oportunidade serviu de processo para entender o que tinham vivido e que compartilhar as ajudavam pessoalmente na elaboração, bem como ajudariam outras mulheres a evitar passar pelo mesmo”, explicou.

Para médico, discussões sobre o tema podem mudar conduta
O professor de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC e Diretor Técnico do Hospital da Mulher de Santo André,  Mauro Sancovski, acredita que os debates que vêm sendo realizados a cerca da violência obstétrica vão acabar por modificar o modelo de atendimento nas maternidades. “A gente vive um momento de discussão em todas as áreas. As mulheres estão entendendo que alguns procedimentos não são mais aceitáveis”, afirmou.
Segundo o professor, as faculdades de medicina já têm a preocupação de mudar o perfil de atendimento das gestantes. “Orientamos que as mulheres sejam ouvidas, informadas sobre todos os procedimentos, respeitadas na sua individualidade”, explicou.
Apesar do discurso otimista do médico, os dados revelam uma realidade diferente. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2010, identificou que 25% das mulheres sofreram algum tipo de violência durante atendimento no parto ou no pré-natal. “Sei que existe uma resistência por parte de alguns médicos e profissionais da área, em especial os mais velhos. Precisamos continuar insistindo na mudança dessa postura”, completou.

Em Belo Horizonte, mulher move primeiro processo contra hospital

A auxiliar administrativo Ana Paula Garcia se preparou muito para ter um parto natural. Aos oito meses de gravidez, foi surpreendida com um trabalho de parto prematuro. Com o rompimento da bolsa, chegou em uma maternidade particular de Belo Horizonte (MG) faltando apenas dois centímetros para dilatação total e nascimento de sua primeira filha.
Ana Paula foi anestesiada mesmo se negando a receber o medicamento. “Disseram que eu não era índia para aguentar um parto sem tomar nada”, lembrou. Após uma série de procedimentos feitos contra sua vontade, como corte na vagina para aumentar o canal de passagem do bebê, ter sido anestesiada e impedida de se movimentar logo após o nascimento, Ana teve de conviver com a morte do bebê, após uma gestação saudável e sem qualquer intercorrência.
“Ninguém me explicou o que realmente tinha acontecido. Reclamei no Ministério da Saúde, no convênio, na ouvidoria do hospital, no Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e na Agência Nacional de Saúde Suplementar. Não obtive nenhum retorno. Conheci minha advogada e juntas resolvemos ajuizar ação civil por violência obstétrica contra a equipe, o plano de saúde e o hospital”, declarou.
Essa é a primeira ação do gênero. “O processo apresenta o conceito de violência obstétrica, que ainda não existe para o judiciário. Não é um processo por erro médico. Questiona toda a conduta da equipe, é contra o proceder, o tratar, o atendimento contrário aos direitos humanos”, explicou a advogada Gabriela Sallit. “A Ana não quer que ninguém seja preso. O que esperamos é uma mudança de comportamento”, completou.

Projeto fotográfico denuncia agressões na internet


A fotógrafa Carla Raiter é especialista em ensaios de partos humanizados. “Fotografar esse nascimentos era uma forma de me manter envolvida com o tema (depois do nascimento do filho) ajudando outras mulheres em várias redes de apoio e mostrando o quão respeitoso e bonito um parto pode ser”, explicou. Porém,  o sentimento de que aquele era só mais um projeto, no meio de tantos, a levou a abordar outro tema. Em uma conversa com Caroline Ferreira, sua parceira no Projeto 1:4, surgiu a ideia de retratar a violência obstétrica.
O nome do projeto é uma menção à pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que aponta que uma em cada quatro mulheres passa por violência obstétrica. Carla usa fotos em preto em branco e os depoimentos “tatuados na pele” para retratar as experiências. “O objetivo é denunciar, chamar atenção e promover o debate sobre o tema. Tenho percebido que as marcas que esse tipo de violência deixa são muito maiores do que imaginávamos quando idealizamos o projeto”, explicou. “Os sentimentos são de lembranças negativas, de partos roubados, de corpos invadidos, de abandono e dor. Há mulheres que afirmam que o desejo de ter vários filhos foi extinto depois do primeiro parto”, completou.
Carla acredita que a proporção de mulheres que passam por esse tipo de violência seja bem maior do que um quarto do total. “Apesar de haver os casos extremos que não deixam dúvidas, na maioria das vezes a violência obstétrica é muito sutil, entra nas práticas médicas de forma muito amalgamada”, afirmou. O projeto pode ser conferido no Facebook, pelo link www.facebook.com/projeto1em4.

*matéria de minha autoria, originalmente publicada no Diário Regional, no dia 28/04/2013. Link: http://www.diarioregional.com.br/2013/04/28/sua-regiao/minha-cidade/regional/25-das-mulheres-sofrem-violencia-em-maternidades-brasileiras/

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