O momento do parto deveria ser o mais feliz da vida de toda mãe.
Deveria. Para algumas mulheres – um quarto das brasileiras, segundo
pesquisa da Fundação Perseu Abramo – o nascimento do filho virou uma
verdadeira história de terror na lembrança. Recusa de anestesia,
proibição de acompanhantes (mesmo este sendo um benefício garantido por lei federal desde 2005),
xingamentos e humilhações são relatos comuns a todas, que aos poucos,
vão perdendo o medo de denunciar e procurar seus direitos. No ABC, ao
menos seis mulheres já procuraram advogados para processar hospitais e
uma delas, a manicure e moradora de Santo André Elisângela Alberta de
Souza, já processa o Hospital da Mulher Maria José dos Santos Stein, do
mesmo município.
No início de 2012, Elisangela deu à luz seu segundo filho no Hospital
da Mulher. Foi proibida de ser acompanhada pelo marido durante a
admissão no hospital, impedida de se movimentar durante o curto trabalho
de parto – já que chegou ao hospital quase dando à luz – e sofreu um
grande corte na vagina, conhecido como episiotomia, apenas para que os
residentes do hospital vissem como se faz o procedimento.
Já foram realizadas duas audiências de conciliação, mas o hospital
não apresentou nenhum acordo. O julgamento está marcado para o dia 26 de
junho. “Minha expectativa não é nem de ganhar a ação, mas que tudo isso
jogue luz nessa questão. Que o judiciário e os gestores se sensibilizem
com o que as mulheres passam todos os dias. Quero deixar minha
mensagem”, declarou.
A professora Juliana da Silva Santos também deu à luz ao filho no
mesmo hospital, em agosto de 2012. Assim como aconteceu com Elisangela,
Juliana foi impedida de escolher em que posição preferia ter o filho,
foi obrigada a tomar ocitocina na veia (hormônio sintético para acelerar as contrações),
a se submeter a uma episiotomia e ainda teve enfermeiras empurrando sua
barriga para apressar o nascimento. “Tentei argumentar com todas as
intervenções, mas fui coagida pela equipe. Além disso, no momento do
parto, ao menos 14 pessoas estavam na sala”, afirmou. Juliana está
avaliando com advogados a possibilidade de processar o hospital.
Violências
A culinarista Laura Vitória Alonso, também moradora de Santo André,
passou por toda a violência no Hospital Santa Helena, em São Bernardo.
Durante o parto, ficou sozinha por mais de sete horas, impedida de se
alimentar e até de beber água; contou com a presença do marido apenas no
momento do nascimento da filha e não foi anestesiada, mesmo pedindo
inúmeras vezes. Sofreu violências físicas e verbais por parte da equipe
de enfermagem, além de ter sofrido a episiotomia e sutura do corte sem
anestesia. Aguardou mais de sete horas para ver e amamentar a filha.
“Sinto mais pelo que ela passou. Posso ter outro parto, ela não vai
nascer de novo”, declarou, emocionada. Laura está iniciando processo
contra o hospital.
Gestora fala em mudanças no Hospital da Mulher
A superintendente do Hospital da Mulher, Rosa Maria Pinto Aguiar,
afirmou que o processo está sendo tratado pelo departamento jurídico e
que não comentaria, mas destacou que desde que assumiu a gestão do
equipamento, no início de 2013, tem trabalhado com a equipe para
implementar mudanças que visem à humanização do atendimento das
gestantes e o combate às práticas que possam ser violentas.
“Claro que é um processo. Porém, determinamos que os acompanhantes
pudessem ficar com as gestantes desde a admissão até o momento do
nascimento. Após o parto, como os quartos são conjuntos, acompanhantes
masculinos permanecem apenas até as 22 horas, para que todas as mulheres
se sintam mais à vontade”, afirmou a médica. Rosa admite que, em
princípio, houve resistência por parte da equipe médica, mas que todos
estão se adaptando e que alguns profissionais foram, inclusive,
substituídos.
A superintendente afirmou que em todos os casos, são oferecidos métodos
alternativos para as dores das contrações e que após o nascimento é
estimulada a amamentação e o vínculo entre mãe, pai e bebê. “Temos um
índice de 90% de aprovação, mas é claro que existem queixas. Os casos
são encaminhados da forma mais adequada”, garantiu.
O Hospital Santa Helena de São Bernardo, citado por Laura Vitória, não
retornou à reportagem até o fechamento da edição. Casos de violência
obstétrica podem ser denunciados para a comissão da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) pelo e-mail direitos.humanos@oabsp.org.br, para a
ouvidoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) 0800-701-9656
ou para o Disque Saúde do Ministério da Saúde, pelo nº 136 e no site do
Ministério Público Federal, www.cidadao.mpf.mp.br .
* matéria de minha autoria, originalmente publicada no Diário Regional, dia 05/04/2014. Link: http://www.diarioregional.com.br/2014/04/05/sua-regiao/minha-cidade/mulheres-do-abc-denunciam-violencia-obstetrica/
segunda-feira, 7 de abril de 2014
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